O certo a se fazer era voltar pra casa, e eu estava voltando. Eu acho. Bati a porta com muita força e saí, a chuva estava forte, as ruas estavam sendo banhadas por água limpa, e continuei a andar. Agarrado com a garrafa de conhaque. No bolso esquerdo estava a carta, o bilhete, o lembrete, que no momento estava só resíduos de papel e marcas de caneta. No bolso direito uma caixa de fósforo, também molhada. Estava frio, estava escurecendo, e eu continuava a andar, sem rumo, sem direção. Apesar do frio, internamente eu estava quente, as orelhas estavam geladas, mas o nariz estava quente, e começou a escorrer e eu insistindo e limpar na água que agora caia mais forte. Eu agarrado com o litro de conhaque, forçando em meu peito. Pensei em voltar, mas agora eu estava completamente ensopado, e com que cara eu ia chegar? Um louco bêbado agarrado com um litro de conhaque, nariz escorrendo, roupas molhadas prontas pra causar uma enchente a serem torcidas. Os carros passando na rua, os cachorros com frio, procurando abrigo, as poucas pessoas que passavam na rua, viam aquela pessoa jogada, sem capa sem guarda chuva, só andando, andando, andando, andando, andando e andando.
Andei, andei, andei, andei e andei. Minha vontade era chegar em um bar mas próximo e vender a garrafa de conhaque que ainda estava lacrada, tomar um banho quente, vestir roupas secas, esperar a chuva passar e voltar, mas não era isso que estava acontecendo, e as roupas continuaram molhadas e o nariz continuava a escorrer, estava agora sentindo um mal estar. Estava doente. É, a chuva ia durar a noite toda, aquela chuva que a gente gosta de ouvir quando está em casa, com o cobertor enrolado ouvindo o som da cadência das gotas d'água, até esse som entrar em ritmo com os batimentos do coração e as suas veias começarem a bombear música natural pelo seu corpo todo. Aquela chuva que você relembra toda sua infância, os tempos bons da sua vida, aquela chuva que de certa forma é triste, por trazer lembranças boas, e as gotas insistiam em cair no telhado até a manhã seguinte. Mas não eu continuava a andar molhado e jogado pela rua, e andei, andei, andei, andei e andei.
Andava. Tentava parar pra descansar, mas, eu não podia fiar parado no meio da rua, numa chuva. Só andava. As cenas passavam em minha cabeça, lembrei do café da manhã, estava tudo tão bem, os pensamentos de alguma forma eram reconfortantes e tudo foi jogado, no momento que um carro passou em uma poça e jogou água em mim, essa por sua vez estava bastante fria. Agora eu já estava exausto, minhas pernas já não aguentavam mais, os sapatos já estavam pesados, as roupas pesavam o dobro, completamente encharcadas, meu peito doía com a pressão que a garrafa de conhaque fazia. O mal estar era completo, precisava de um médico urgentemente, e agora a barriga já estava dolorida de fome. Me segurei várias vezes pra não cair, mas a força da natureza foi maior e caí. A garrafa foi de encontro ao chão e se quebrou derramando o conhaque todo em minha roupa e estilhaçando-se em vários cacos, nos quais um entrou e minha mão, consegui retirar o caco, mas corte era profundo, e a chuva ajudava a lavar o ferimento. Além de exausto e com cheiro de conhaque, estava ferido. Mas um motivo pra não bater naquela porta outra vez. E oque eu fiz? Andei, andei, andei, andei e andei.
Cambaleando exausto, caí novamente, agora em uma poça de lama. E tudo parecia ficar pior. O cheiro de conhaque, sangrando, e com lama no rosto. E fiquei ali no chão. Meus pensamentos e minhas vontades eram continuar andando, andando, andando, andando, andando, andando, andando, andando, andando, andando para um destino sem fim. Mas não consegui.
"Pra ver o arco-íris, é preciso não temer a chuva"
Paulo Coelho
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